Ao procurar talentos no mercado, uma das prioridades das chefias é encontrar candidatos com as competências certas para cada posição. Mas, segundo especialistas, o recrutamento envolve muito mais do que apenas combinar habilidades com as exigências do trabalho. O desafio é formar equipes que se alinhem à cultura da organização, o que pode melhorar o desempenho geral dos times e os resultados da companhia, além de evitar a rotatividade de funcionários.
Um estudo da consultoria Deloitte aponta que organizações preocupadas com o “fit cultural” (adequação à cultura corporativa) nas seleções apresentam taxas de engajamento e de retenção de funcionários 30% maiores ante as companhias que não priorizam esse alinhamento nas peneiras.
As empresas definem a cultura organizacional a partir de fatores como estilos de gestão, valores profissionais e códigos de conduta. Podem ser expressos por escrito ou apenas visíveis no comportamento dos times. Em resumo, a “cultura” seria a “personalidade da empresa”.
Para Thiago Gaudêncio, headhunter e sócio da Wide Executive Search, boutique de recrutamento executivo para posições de alta e média gestão, seleções mal conduzidas tendem a causar problemas para as equipes e lideranças.
“Imagine uma empresa direcionada a resultados que recruta um executivo, mas comete um erro na avaliação do perfil e acaba trazendo [para o quadro] uma pessoa que não está habituada ao tipo de cultura que ela adota”, exemplifica. “A tendência é que o profissional não se adapte e que o movimento cause prejuízos nos resultados da organização e, sobretudo, no time que o gestor iria liderar.”
Por isso, mais do que observar apenas o lado técnico dos currículos é importante garantir que o recrutamento ocorra de acordo com um perfil cultural desejado, orienta.
“Normalmente, os ‘gaps’ técnicos [nos candidatos] são mais fáceis de serem preenchidos no curto e médio prazo pela empresa do que as lacunas comportamentais e culturais”, compara. Se o talento contratado tem o “fit” adequado, a organização terá oportunidade de desenvolvê-lo e ele poderá ficar bastante tempo na posição que conquistou, defende.
“E com uma maior janela de permanência na companhia, será possível entregar mais resultados.”
Para fechar contratações mais assertivas, o primeiro passo, segundo Gaudêncio, é saber qual a cultura que a empresa adota. Conhecer as pessoas que trabalham na operação ajuda a descobrir que tipo de perfil vai se encaixar no quadro, diz.
“Na hora do alinhamento [antes da contratação], deve-se traçar um perfil técnico do candidato, que é o que vem mais ‘pronto’, sem abrir mão de checar os requisitos comportamentais que atendam à necessidade da organização”, ensina. “Evite contratar alguém somente por conta de uma indicação, sem uma entrevista aprofundada. Conduza conversas com mais de um candidato para a vaga, capazes de dar uma régua clara de comparação.”
Decisões de seleção
Tey Yanagawa, sócia-diretora de pesquisa da Cia de Talentos, de atração e seleção de profissionais, concorda com a visão de Gaudêncio.
“Profissionais que se identificam com a cultura da empresa são mais propensos a sentimentos de pertencimento e identificação, o que promove engajamento e a evolução dos indicadores de desempenho e retenção”, analisa. Estudos apontam que colaboradores com baixo alinhamento cultural têm o dobro de chance de pedir demissão em até um ano, relata. “Por outro lado, funcionários com um maior fit cultural recebem, em média, avaliações de desempenho 20% superiores, em comparação com aqueles com pouca aderência.”
Em pesquisa realizada pela Cia de Talentos com 93,5 mil profissionais, uma das questões, sobre o que mais pesaria na decisão a tomar sobre duas ofertas de emprego, o ambiente de trabalho aparece em primeiro lugar, com 37% das preferências, seguido da força da marca da empresa (20%). “A cultura é um fator que influencia não só a permanência na companhia, mas a capacidade que a organização tem de atrair talentos.”
Para que o desembarque de currículos se converta em contratações adequadas, a dica de Yanagawa é começar os processos de escolha com o apoio de soluções digitais.
“Nas etapas iniciais, o mais indicado é usar ferramentas on-line, como testes e mapeamentos”, sugere. “Pela praticidade e escalabilidade, elas permitem avaliar um grande volume de candidatos, gerando mais dados para as decisões de seleção.”
Nas fases finais de corte, a entrevista individual segue como o melhor formato de avaliação, continua.
“Ela cobre os aspectos técnicos e comportamentais, além de possibilitar que o candidato também conheça a organização.”
Antes de definir o melhor candidato, a especialista recomenda fugir de contratações que consideram apenas a bagagem profissional.
“Em um cenário de transformações aceleradas, a experiência pode ser até vantajosa no curto prazo mas, no longo, a capacidade do profissional de ser resiliente e aprender de forma contínua será decisiva para o empregador.”
A boa notícia, segundo a diretora da Cia de Talentos, é que mais companhias estão se preocupando em recrutar funcionários que possam fortalecer a cultura que construíram.
“Pela nossa experiência, são raríssimas as empresas que não consideram uma avaliação de fit cultural como um aspecto decisivo no processo seletivo”, garante. “O mesmo se observa nos candidatos, que também colocam esse elemento como essencial nas escolhas de carreira.”
Diversidade de pensamento
Na avaliação de Renato Bagnolesi, managing partner da Fesa Group, de recrutamento de executivos, além de reduzirem o turnover de funcionários, as chefias que garimpam profissionais identificados com o “estilo” de gestão em andamento ficam mais próximas de atingir picos de desempenho.
“Empresas que conseguem alinhar talentos e cultura constroem um diferencial competitivo difícil de ser replicado”, assegura. “A cultura se torna um ativo estratégico capaz de sustentar inovação, crescimento e reputação no mercado.”
A orientação de Bagnolesi é que as empresas invistam na preparação dos gestores, para que façam seleções mais produtivas.
“[Deve-se] capacitar os entrevistadores para identificar, durante as conversas, traços comportamentais compatíveis com a empresa”, diz.
Vale lembrar, acrescenta o consultor, que fit cultural não significa obter uma “homogeneidade” nas equipes.
“Empresas maduras sabem que é preciso buscar um alinhamento de valores, mas preservando a diversidade de pensamento”, pondera. “A cultura deve servir como um filtro de coesão, não como uma barreira à pluralidade.”